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      Francisco, o reformista (mas nem tanto) que não voltou à Argentina, seu país natal

      Impossível de ser enquadrado em uma definição taxativa, o Papa deixa uma igreja diferente e uma mensagem que marca o futuro.

      Francisco, o reformista (mas nem tanto) que não voltou à Argentina, seu país natal(FOTO: EFE/EPA/ANGELO CARCONI).

      Francisco - o primeiro papa não europeu e jesuíta - deixa, ao morrer, uma Igreja Católica com tradições questionadas, discussões abertas e uma brisa reformista que vinha sendo pedida há décadas, mas que também despertou fortes resistências.

      Francisco certamente não fez tudo o que queria, mas o que fez não foi pouco.

      Três eixos são propostos para reflexão ao revisarmos seus 12 anos de papado: as reformas na Igreja Católica, seu papel como líder espiritual mundial, e seu papel na vida da Argentina, sua terra natal, dividida por uma polarização política da qual mais de uma vez ele não conseguiu ou não quis escapar.

      Francisco teve que lidar com uma realidade inédita: um Papa emérito, Bento 16, que o acompanhou e cujo conservadorismo o condicionou. Ele aceitou isso com generosidade e sabedoria, para que seu antecessor não se tornasse um freio para seus impulsos renovadores.

      A pregação permanente em favor dos pobres e dos marginalizados (“Como anseio uma igreja pobre para os pobres”) definiu sua chegada a Roma. Não deixou espaço para ambiguidade. Sua primeira viagem, à ilha italiana de Lampedusa, quando migrantes africanos desembarcavam aos milhares na Europa, e eram rejeitados ou deslocados pelos governos, marcou um norte claro, o de estar ao lado dos refugiados.

      Os abusos cometidos por padres, um horror que ganhou espaço, denunciado por vítimas em todo o mundo, a homofobia, e os negócios financeiros obscuros do Vaticano foram questões apremiantes desde sua consagração. Francisco aprofundou a luta contra os abusos iniciada por Bento 16, e em matéria de finanças permitiu controles externos e possibilitou o julgamento de funcionários do Vaticano acusados de corrupção. “Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”, disse ele, sinalizando sua disposição de tornar a igreja mais inclusiva e em sintonia com os tempos atuais.

      Entretanto, isso não foi suficiente para os mais progressistas que, além de gestos e declarações, esperavam a ordenação de mulheres e de homens casados (em regiões geográficas com escassez de padres) e mudanças mais profundas na doutrina sexual.

      Seu papel na política mundial parecia seguir a mesma parábola de declínio de sua saúde. Ele se destacou como facilitador da retomada das relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos, e foi o primeiro papa a falar perante legisladores no Congresso dos EUA.

      O outro lado da moeda foi sua falta de definição após a invasão da Ucrânia pela Rússia, sua recusa a condenar Putin e sua recusa a viajar a Kiev para expressar apoio à população atacada.

      O vínculo com a Argentina não conseguiu escapar da polarização política. O resultado foi doloroso para os argentinos e certamente para ele: morreu sem visitar seu país, que o esperou sem sorte. Francisco recebeu todos os presidentes argentinos, foi fotografado com eles e com líderes de diferentes cores políticas. No entanto, muitas de suas declarações não poderiam deixar de ser lidas no mundo como as de um populista de esquerda e, na Argentina, como as de um peronista, pouco confortável e elipticamente crítico de governos de outra origem.

      Nenhuma obra é perfeita, nem mesmo a do homem argentino que trilhou o caminho da fé até chegar ao ápice do catolicismo. Mas o fato de não ser perfeita não significa que não tenha sido uma obra bem-sucedida. Francisco morreu, mas sua mensagem, com luzes e sombras, marca o futuro.


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      Gonzalo Abascal
      Gonzalo Abascal

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